Uma investigação sobre a eficácia das áreas marinhas protegidas
Quais as pistas que indicam que uma área protegida funciona? Para a pesquisadora Juliana Fonseca, debruçada sobre as unidades de conservação marinhas, uma das peças-chaves está nos peixes. Mais especificamente nos peixes recifais, que têm um papel importante para manutenção dos recifes e corais, ao mesmo tempo em que são um recurso alimentar essencial para muitas comunidades. Será por meio deles que ela pretende decifrar a verdadeira eficácia de unidades de conservação (UCs) marinhas. Para fazer isso, a doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conta com o apoio do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, por meio da parceria com o Fonseca Leadership Program (Programa Fonseca de Liderança, em tradução livre), iniciativa do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, em tradução livre). A pesquisa fará uma comparação temporal da comunidade de peixes recifais para entender o que houve com essas populações em áreas protegidas. “Meu projeto irá indicar como essas áreas marinhas protegidas estão sendo efetivas na proteção dos grupos diferentes de peixes recifais e também ter uma ideia de como os grupos-chave de peixes recifais e possivelmente ameaçados estão, como as garoupas e os budiões. Os budiões, por exemplo, em algumas regiões estão extintos localmente e em outras ainda são extremamente pescados”, diz. O trabalho terá como foco dez unidades de conservação. Esse escopo inclui as quatro ilhas oceânicas brasileiras, onde estão a Área de Proteção Ambiental (APA) do Arquipélago de São Pedro e São Paulo; a APA e o Parque Nacional Marinho em Fernando de Noronha; o Monumento Natural das Ilhas de Trindade e Martim Vaz e do Monte Columbia; e a Reserva Biológica Atol das Rocas. Além de outras cinco UCs distribuídas ao longo da zona costeira-marinha: a APA Costa dos Corais; o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos; a Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo; o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes; e a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. “O apoio do Bolsas FUNBIO vai ser fundamental para que eu possa obter esses novos dados e ter de fato uma comparação temporal”, conta a pesquisadora. Com a bolsa, ela poderá arcar com agens aéreas, diárias, aluguel de embarcações e compras de equipamentos. No Brasil, os recifes estão distribuídos ao longo do litoral, desde a foz do Rio Amazonas até Santa Catarina, além de quatro ilhas oceânicas – Arquipélago de São Pedro e São Paulo, Atol das Rocas, Arquipélago de Fernando de Noronha e o Arquipélago de Trindade e Martim Vaz. Em cada local, há diferentes contextos e riscos, mas de modo geral as ameaças mais comuns são a sobrepesca, poluição e até o turismo desordenado, em âmbito local; e as mudanças climáticas e o aquecimento do oceano, em nível global. “Esses recifes brasileiros são muito diferentes de outros locais do planeta. Eles possuem uma geomorfologia muito única e uma alta taxa de endemismo, ou seja, espécies que só ocorrem num lugar ou apenas no Brasil. E isso faz com que eles tenham um valor muito alto para conservação global”, ressalta Juliana. A pesquisadora destaca também o valor social dos recifes. Já que muitas comunidades dependem direta ou indiretamente de recursos associados a esses ambientes, como a pesca, o turismo ou pelo próprio valor cultural. “A maioria dessas unidades de conservação está localizada em regiões que têm dependência direta do ambiente marinho. Então, mensurar como as UCs marinhas estão sendo efetivas na proteção desses peixes recifais é essencial para que a gente consiga manter o entendimento de como manter a subsistência dessas populações locais”, afirma Juliana. A partir dessas respostas, será possível entender também as demandas específicas de cada UC – aprimorar a fiscalização, ter um plano de manejo adequado ou um ordenamento da visitação, por exemplo – e auxiliar no desenvolvimento de novas estratégias. “Com essas informações, nós podemos subsidiar o debate sobre a possibilidade de aprimorar o zoneamento, por exemplo, e contribuir para atualização dos planos de manejo existentes”, explica a doutoranda.
Read newsGEF Terrestre abre oportunidade para 13 bolsas de fomento à pesquisa científica
Estão abertas as inscrições para bolsas de auxílio e fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico por meio do Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal – GEF Terrestre. São 13 oportunidades abertas, em instituições ligadas ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em Brasília, Goiás, Paraíba, Piauí. Os interessados deverão, obrigatoriamente, efetivar sua inscrição por meio do Formulário de Inscrição online, aqui. O prazo para realizar as inscrições vai até as 23h59min do dia 30/05/2025 (horário de Brasília). Todas as informações estão no site da Fundação Espírito-santense de Tecnologia (FEST), veja aqui. A iniciativa é financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) no âmbito do Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre), que é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e tem o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade - FUNBIO como agência executora.
Read newsUma expedição em busca dos morcegos em cavernas no Distrito Federal
Quando começou seu doutorado sobre morcegos e zoonoses no Distrito Federal, o biólogo Igor Daniel Bueno-Rocha nem imaginava que meses depois teria que enfrentar uma pandemia que colocou um alerta sobre o potencial papel dos morcegos como hospedeiros de vírus. Diante da crise sanitária, o pesquisador precisou adaptar seu trabalho, com uma avaliação rápida e emergencial nos morcegos, para identificar se havia a presença da família coronaviridae nos animais. “E o resultado foi negativo. De todos os morcegos coletados, nenhum apresentou coronavírus”, conta Igor. O resultado inédito é apenas uma peça num grande quebra-cabeça de conhecimento sobre as cavernas e morcegos no Distrito Federal que Igor tenta ajudar a elucidar. A jornada incluiu campos exploratórios em 54 cavernas, com registros de cavidades até então desconhecidas e novas populações de um morceguinho ameaçado no Cerrado. O doutorando da Universidade de Brasília (UnB) foi um dos selecionados em 2020 pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro e recebeu apoio para realização de campos e aquisição dos equipamentos e materiais necessários para as análises. Apaixonado por morcegos desde a faculdade, o objetivo do biólogo é entender não apenas quais as famílias de vírus que estão presentes neles, mas quais os impactos para os morcegos das mudanças do uso da terra no entorno de cavernas e mapear populações em cavernas ainda não estudadas no Distrito Federal. “Aqui no DF, embora existam 155 cavernas registradas, apenas em 19 cavernas há estudos de morcegos. A ideia é ampliar esse estudo e amostrar mais cavernas para morcegos. Então aumentamos esse leque para 54 cavernas amostradas para morcegos”, destaca. Para fazer isso, Igor, que também é professor em tempo integral, transformou os finais de semana em dias de expedição para as cavernas. “Os campos aconteceram durante um ano inteiro em todos os finais de semana do ano. Sextas, sábados e domingos”, lembra o biólogo. Na primeira etapa, dedicada a mensurar os impactos da conversão do solo para usos como agricultura, pecuária e mineração nas populações de morcegos, foram 14 cavernas amostradas, nas quais já havia estudos anteriores. Os dados coletados por Igor foram comparados com os achados no ado, feitos na década de 1990, e cruzados com dados de cobertura disponibilizados pelo MapBiomas. “Vimos que a pecuária tem uma influência significativa na mudança da comunidade de morcegos dentro da caverna”, conta o doutorando. “Já sabemos que essa conversão extensiva que o Cerrado tem para a agricultura e pecuária afeta a biodiversidade, mas às vezes falta um pouco de informação palpável de mudança. Esses dados são mais uma ferramenta política para mostrar como a mudança de uso da terra influencia a biodiversidade”, explica Igor. A maior presença do gado também pode aumentar o número de morcegos “vampiros”, que consomem sangue, e com isso também a taxa de transmissão de doenças como o vírus da raiva, alerta o pesquisador. O vírus da raiva foi um dos testados nos morcegos coletados durante a pesquisa. As amostras ainda estão em análise. “A ideia é verificar a composição viral desses morcegos aqui no DF, com relação às principais famílias de vírus que são encontrados em morcegos”, explica. “É uma questão de saúde pública. Ter essa informação contribui para prever possíveis zoonoses e prevenir futuras pandemias que podem impactar a gente”, acrescenta. Para algumas espécies, como o morceguinho-do-cerrado (Lonchophylla dekeyseri), espécie classificada nacionalmente como Em Perigo de extinção, o pesquisador não podia subtrair nenhum indivíduo da população. Nesses casos, as amostras foram feitas no próprio campo, por meio de um swab bucal – um cotonete usado para coletar células da mucosa da boca. A espécie ameaçada, que ocorre na região centro-oeste e uma porção de Minas Gerais, tinha apenas três populações conhecidas no Distrito Federal. Durante o campo, Igor foi aos três locais e encontrou apenas uma população remanescente. Em outras duas cavernas, entretanto, que ainda não haviam sido estudadas, o pesquisador identificou populações aparentemente saudáveis do morceguinho. “Estamos preenchendo lacunas de conhecimento”, resume o pesquisador da UnB. Os morcegos prestam importantes serviços ecossistêmicos, como a polinização e o controle de pragas agrícolas. Sobre este último, o próprio Igor, durante seu mestrado, teve a chance de estimar o valor econômico disso e apontou que os morcegos são responsáveis por uma economia de quase USD 400 milhões no Brasil anualmente. “Se eu suprimo esses morcegos, eu vou aumentar a quantidade de pragas agrícolas e vai ser preciso aumentar a quantidade de pesticidas e isso impacta também diretamente a saúde humana. A preservação dos morcegos é necessária, por várias vias, pra gente manter uma qualidade de vida”, conclui o pesquisador.
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