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O investimento na formação de uma nova geração de líderes de conservação
Desde a edição de 2023, o Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro ampliou seu escopo, por meio da parceria com a iniciativa Fonseca Leadership Program (Programa Fonseca de Liderança, em tradução livre), criada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês). O programa homenageia o biólogo Gustavo Fonseca, que por anos atuou à frente da direção de programas do GEF e faleceu precocemente em 2022, deixando um vasto legado em ações de conservação.
Atual chefe da Divisão de Parcerias do GEF, Dra. Adriana Gonçalves Moreira trabalhou ao lado de Gustavo, de quem era amiga pessoal. Ela destaca que integridade, perseverança e trabalho coletivo eram alguns dos valores do biólogo que devem inspirar a nova geração de líderes em conservação apoiadas pelo Fonseca Leadership Program.
Adriana é especialista em conservação da biodiversidade, mudanças climáticas e sustentabilidade. Em sua carreira, ajudou a desenhar e gerir iniciativas bem-sucedidas como o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Foi também uma das fundadoras e primeira presidente do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM).
À frente do Fonseca Leadership Program, Adriana conta que a iniciativa visa apoiar projetos transformadores, capazes de fazer da ciência uma ferramenta para informar políticas políticas e ter impacto real na conservação da natureza.
A iniciativa não se restringe ao Brasil e já envolve 166 fellows em mais de 40 países no mundo, em todos os continentes, numa verdadeira rede global de pesquisadores. No Brasil, por meio da parceria com o FUNBIO, já foram apoiados 20 projetos de pesquisa.
Confira a entrevista com Adriana sobre o Fonseca Fellowship Program:
O que motivou a criação do Fonseca Fellowship Program e como foi consolidada essa parceria com o Programa Bolsas FUNBIO?
A criação dessa iniciativa foi muito importante para nós, num momento bem difícil enfrentado pela instituição, com a perda do nosso diretor Gustavo Fonseca. E essa parceria com o FUNBIO foi quase uma coisa natural. Porque nós já tínhamos conhecimento do Programa de Bolsas do FUNBIO e queríamos adotar uma estratégia rápida para implementar esse conceito, que já havia sido aprovado pelo conselho do GEF, de ter um programa de apoio à capacitação da juventude e formação da nova geração de líderes na área de conservação. E nós queríamos começar pelo Brasil. Então foi uma parceria bem orgânica com o FUNBIO, que é parceiro antigo do GEF.
Nós fizemos uma discussão sobre as linhas de financiamento de bolsas e no caso do Brasil é bastante específico porque o apoio é para pesquisa de campo, que é uma área muito importante. Eu mesma já fui beneficiária de bolsas de mestrado e doutorado. E a parte de apoio ao trabalho de campo é sempre a mais difícil de encontrar. Então a iniciativa é também para tentar cobrir essa lacuna na área de apoio à formação de futuros líderes em conservação no Brasil.
Quais são os projetos de pesquisa que vocês querem apoiar e o que vocês querem ver acontecer nesses projetos?
Existem vários talentos e temos uma amplitude de áreas que apoiamos, mas a ideia é apoiar projetos transformadores, capazes de criar impacto. Principalmente em questões relacionadas à aplicação da ciência para informar políticas públicas, por exemplo. Isso é uma área muito desejada nesse sentido de ser transformador.
Projetos que fazem sínteses de trabalhos e de áreas fundamentais, como a ecologia da paisagem e a gestão de áreas protegidas, trabalhar com espécies-bandeira e com espécies ameaçadas de extinção. E trazendo um enfoque um pouco mais aplicado. Claro que com qualidade no processo de pesquisa, mas pensando no impacto das diferentes pesquisas na conservação das espécies, na conservação dos biomas brasileiros e o impacto disso em projetos do próprio governo brasileiro para essa área.
Apesar da parceria com o FUNBIO ser voltada aos pesquisadores brasileiros, essa é uma iniciativa que não se limita ao Brasil. Conta mais sobre isso.
O programa é global. Apesar de recente, nós já estamos com uma rede de 166 Fonseca fellows, como são chamados os bolsistas, presentes em todos os continentes. Nós estamos começando agora uma iniciativa de realmente fazer essa rede dos bolsistas. Temos uma estratégia também de trazer esses bolsistas, principalmente aqueles que mais se destacam, para participar de discussões de políticas globais, relacionadas às agendas de conservação.
Por exemplo, nós estamos prevendo um evento de treinamento para os bolsistas do Sudeste Asiático e do Pacífico nessa parte de liderança e de como trabalhar nessa interface de ciência e políticas públicas no Congresso Internacional de Biologia da Conservação, em Brisbane, na Austrália, que vai acontecer em junho. Estamos também com uma participação especial no evento da IUCN (União Internacional pela Conservação da Natureza) que vai acontecer em outubro, em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, também com o enfoque nos líderes do programa.
Como vocês pretendem promover essa plataforma global de pesquisadores?
Nós estamos criando uma plataforma de integração e intercâmbio de conhecimentos do programa. Ela vai entrar em funcionamento em breve. Eu vejo como um estímulo para uma interação global desses distintos pesquisadores de várias áreas. Isso é uma aposta do programa para uma maior diversificação no enfoque dos pesquisadores e para ampliar horizontes e ver a importância não só da questão da pesquisa em si, mas da aprendizagem de línguas, do contato com outras culturas e com processos de tomadas de decisão nacionais, regionais e globais. Esta é uma parte importante da formação dessas lideranças de conservação na qual estamos investindo.
O que você espera que esses pesquisadores, a maioria em início de carreira acadêmica ainda, possam tirar dessa experiência?
Com os recursos da bolsa queremos que a pessoa tenha a oportunidade de focar na pesquisa, porque a ajuda financeira tem muito esse papel, mas também prepare-se para ter uma visão mais ampla do mundo e uma visão mais ampla de oportunidades.
E tem algumas coisas muito importantes que eu acredito que queremos estimular dentro do programa. Primeiro, que as pessoas se interessem um pouco pela história do Gustavo. De onde vem, a origem. Pesquisadores que no início de suas vidas profissionais tiveram o privilégio de ter o a financiamento para poder fazer essa formação de mais alto nível. Seja no Brasil, seja no exterior. Então, qual é o retorno que isso dá para o seu país e para o ambiente global? Essa é uma reflexão que a gente convida aqueles que já foram selecionados, através desse processo que é super competitivo, para que ampliem seus horizontes e considerem a importância de alinhar esforços para os grandes desafios ambientais.
Outro aspecto é a visão de que você pode aplicar a maneira de pensar, o raciocínio científico, a metodologia, a maneira de fazer ciência através da formulação de perguntas e de testes, de hipóteses e de ideias em outras áreas, não só em um projeto de pesquisa. Abrir um pouco a cabeça de que fazer um mestrado, doutorado e buscar uma carreira acadêmica é o único caminho. Eu acho que a carreira acadêmica é muito importante e fundamental para desenvolver esse tipo de massa crítica dentro do Brasil e dentro dos países do Sul Global, mas que as pessoas tenham abertura para pensar em outras opções de carreira também. E se posicionar em áreas importantes.
Eu sou uma bióloga que fez mestrado e doutorado, orientou carreira acadêmica e trabalha dentro do Banco Mundial com financiamento de projetos de conservação. Porque essa formação é extremamente útil para isso também. Um convite que eu faço dentro desse programa é para as pessoas pensarem em carreiras não tradicionais. Trabalhar com organizações da sociedade civil, adotar um espírito empreendedor de criar novos processos, novas instituições. Queremos estimular essa nova geração a olhar a sua formação de uma maneira mais ampla e buscar oportunidades diferentes também.
E quais são os valores do próprio Gustavo Fonseca que você gostaria que inspirassem essa nova geração de pesquisadores?
Olha, eu e o Gustavo fomos muito amigos. O que eu posso dizer é que ele tinha uma extrema perseverança nos seus objetivos, uma mente inquisidora, sempre fazendo perguntas – e não as perguntas fáceis. E com muita integridade, mas também muito foco no trabalho coletivo. De inspirar equipes, inspirar grupos. Eu acho que isso define muito o Gustavo.
E também um olhar para criar instituições. Ele ajudou a criar a Fundação Biodiversitas, no Brasil, e também trabalhou muito na criação da Conservação Internacional (CI) no Brasil. Com o objetivo de deixar um legado de instituições de qualidade e excelência trabalhando na área de conservação.
Quais são as perspectivas de futuro do programa? Vida longa ao Fonseca Leadership Program?
Com certeza! O GEF trabalha em ciclos de 4 anos e agora já estamos nos preparando para o próximo ciclo, que vai começar em julho de 2026 e vai até junho de 2030, que é o chamado GEF 9. Agora estamos no final do GEF 8, que foi o ciclo que o Fonseca Leadership Program foi criado, com um valor de USD 10 milhões. E a expansão do programa já está proposta para o próximo ciclo para, com isso, ampliá-lo para outras áreas do GEF, não só conservação, mas trabalhar com mudanças do clima, química, águas internacionais… Essa expansão faz parte dessa visão de longo prazo de que é fundamental que o GEF contribua para a formação de novos líderes ambientais. Com um enfoque para construção de capacidades para a juventude.